Novo Regime Jurídico da Caça - Parecer

Ex.mo. Sr. Presidente da Comissão de Economia

Por solicitação da Comissão de Economia da Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores à Proposta de Decreto Legislativo Regional nº 6/XI acerca do “Regime Jurídico da Gestão dos Recursos Cinegéticos e do Exercício da Caça na Região Autónoma dos Açores”, vem a nossa Associação emitir parecer ao documento recepcionado.

A Associação Ecológica Amigos dos Açores manifesta descontentamento pelo facto de não terem sido atendidos pontos recomendados ao Governo Regional por diferentes organizações ecologistas, em diversos pareceres previamente remetidos.

A Associação manifesta, também, surpresa pelo facto da Proposta adoptar medidas sobre a natureza das ilhas e sobre a actividade cinegética alheias à realidade insular, aparentemente copiadas da realidade que é própria do continente, perdendo a Região mais uma oportunidade de promoção enquanto destino de excelência ao turismo de natureza.

Considera-se que a proposta deveria contemplar as espécies que se pretende classificar como cinegéticas através de critérios científicos e rigorosos. A Proposta inclui dez espécies, algumas das quais próprias da fauna açoriana e outras não, sem fazer nenhuma consideração a este respeito, à sua abundância, ao seu estado de conservação ou à sua importância ecológica. As espécies incluídas são um mamífero exótico (coelho-bravo), duas aves exóticas (perdiz-vermelha, perdiz-cinzenta), três aves nativas residentes (narceja, galinhola, codorniz), três aves nativas migratórias (pato-real, marrequinha, piadeira) e uma ave talvez nativa ou de origem doméstica (pombo-das-rochas).

No caso do coelho-bravo, enquanto principal recurso cinegético da região, responsável por danos permanentes na flora e agricultura açoriana, é nosso parecer que as entidades públicas não devem, como fazem na actualidade, promover a manutenção e a renovação das populações desta espécie em liberdade na óptica exclusiva da sua utilização cinegética.

A inclusão da perdiz-vermelha (Alectoris rufa) e a perdiz-cinzenta (Perdix perdix) na lista de espécies cinegéticas, aves próprias do continente europeu, implica necessariamente a intenção de as importar e as libertar no meio natural, introduzindo espécies exóticas na nossa região, contrariando a legislação nacional e internacional, pelo que defendemos a exclusão destas duas espécies da lista.

Conhecidos dados preocupantes sobre o estado de conservação e sobre a abundância da narceja (Gallinago gallinago) e da galinhola (Scolopax rusticola), que apontam para seu declínio, sendo as principais causas da diminuição da sua população a perda do habitat e a pressão cinegética. As populações nidificantes destas espécies são muito reduzidas, tendo, em algumas ilhas, desaparecido.

É do nosso parecer que, devido ao tamanho muito reduzido das suas populações e dos habitats que ocupam, estas espécies não atingem as condições de sustentabilidade necessárias para serem consideradas como um recurso cinegético.

As três espécies de patos consideradas na proposta, o pato-real (Anas platyrhynchos), a marrequinha (Anas crecca) e a piadeira (Anas penelope), são aves principalmente migradoras que nos Açores ocupam os escassos habitats de água doce presentes na região, como são as lagoas e os charcos de maior dimensão, nos quais o exercício da caça provocará perturbações na restante fauna, nomeadamente aves migradoras protegidas, que já se encontram por si muito fragilizadas pelo esforço migratório. A caça nestes habitats constitui ainda um enorme entrave para o turismo de observação de aves, actividade económica em grande crescimento na nossa região.

A proposta de métodos de caça sem tradição na Região e a utilização de negaças vivas ou de aves de presa também merece o nosso parecer negativo.

O escasso benefício da caça, altamente subsidiada pela Região, contrasta claramente com o impacto negativo que exerce sobre outras actividades económicas importantes para a região, como é caso do turismo, como é o caso da caça praticada na proximidade dos trilhos pedestres, ou, ainda, quando se pretende abrir o período venatório nos meses do Verão, quando há maior presença de turistas.

Como conclusão, deve exigir-se a reformulação da actual Proposta, de modo a considerar um maior grau de conhecimento científico, o cumprimento dos tratados internacionais e um maior cuidado e respeito pela natureza dos Açores.

 

Agradecendo a Vossa melhor atenção, remetemos os nossos melhores cumprimentos,

O Presidente da Direcção

Diogo Caetano

Consulte em http://base.alra.pt:82/4DACTION/w_pesquisa_registo/3/2788 no texto "Proposta de Decreto Legislativo Regional nº 6/XI"