Os Mitos da Incineração

Tal como tem sido veiculado nas últimas semanas na comunicação social, a Associação de Municípios da Ilha de São Miguel (AMISM), com o apoio do Governo Regional dos Açores, tem como objectivo instalar nesta ilha uma incineradora de resíduos sólidos urbanos (RSU) até 2014.

Se a AMISM já havia manifestado esta intenção, entretanto “chumbada” pelo Governo Regional em 2004, agora ambas as instituições estão de mãos dadas pelo objectivo, demonstrando a falta de estratégia do Governo Regional em matéria de ambiente e particularmente de resíduos, uma vez que o Plano Estratégico de Gestão de Resíduos, aprovado em 2007, em nada preconizava a incineração e muito menos a integrava na estratégia regional aparentemente definida.

De mãos dadas surgem agora o poder local e regional apelando a uma panóplia de mitos, sabe-se lá se comprados por interesses terceiros, que apresentam a incineração como uma “única solução possível” para a resolução da problemática dos resíduos.

O mito da inocuidade tecnológica tem sido explorado por responsáveis políticos, que entre outros absurdos, afirmam categoricamente que a incineração é menos poluidora que a produção de geotermia ou que ainda ninguém deu conta dos problemas ambientais das incineradoras em locais onde esta tecnologia se encontra em laboração.

São lamentáveis declarações uma vez que são conhecidos diversos impactes no ambiente e saúde pública comprovados por instituições médicas de referência como a British Society for Ecological Medicine em http://www.ecomed.org.uk/publications/reports/the-health-effects-of-waste-incinerators.

São diversas, em Portugal e noutros países (recomenda-se a visita a www.no-burn.org), as manifestações públicas das comunidades contra a incineração de resíduos, receando pela sua saúde com consciência que os problemas ambientais “de que ninguém dá conta” só vão surtir efeito após períodos prolongados de exposição, em altura em que os actuais responsáveis políticos já estarão longe das cadeiras do poder e, por isso, da responsabilidade.

O mito de que a incineração funcionará em pleno com um sistema de reciclagem é também dos mais usados pelos mesmos responsáveis políticos que argumentam orgulhosamente que 70% dos resíduos produzidos na Europa são incinerados, como se não existissem resíduos reciclados, compostados ou que simplesmente têm de ser colocados em aterro por falta de condições para a queima. Queremos estar na vanguarda da Europa como as regiões que têm de comprar lixo para manterem os investimentos numa tecnologia dispendiosa como a incineração? Com uma população educada para eficazes reciclagem e compostagem afinal que resíduos ficariam para queimar?

A solução da incineração, na óptica dos nossos governantes, visa o crescimento exponencial da produção de resíduos, desrespeitando a contribuição da população na adequada prevenção e gestão dos resíduos, alimentando um sistema neoliberal capitalista de que até o tratamento de resíduos tem de gerar lucros, de preferência a entidades privadas.

Mais não se pode concluir que aos olhos dos nossos governantes, a política dos 3R (Reduzir, Reutilizar e Reciclar) em muitas das fileiras de resíduos não passa de mais um mito para enganar a população, tal como tem sido até aqui pela falta de encaminhamento adequado.

Como poderão entidades que não têm sabido gerir um sistema de recolha maioritariamente indiferenciado, gerir um sistema de reciclagem e uma incineradora?

O mito da produção de energia através da queima de resíduos é a mais badalada tentativa de tornar a opção pela incineração mais verde e amiga do ambiente.

Para além de todos os malefícios ambientais e de saúde pública que representa a queima de resíduos, os avultados investimentos na instalação de uma incineradora (perto de 100 milhões de euros) acrescidos dos custos de funcionamento e manutenção garantirão um custo muito elevado à energia produzida, que poderia ser produzida por fontes renováveis como a geotermia. Será tão interessante a produção de energia por uma eventual incineradora, que até a eléctrica regional já demonstrou publicamente desinteresse nesta possível energia produzida pela combustão de resíduos?

O processo de queima de resíduos não é mais que um processo de desvalorização energética. Veja-se que por cada resíduo queimado e não reciclado será necessária a exploração de uma nova matéria prima e será consumida energia para a transformar e para a trazer de novo ao mercado onde será consumida e, obviamente, paga. É esta a responsabilidade de uma região que aposta na natureza e ambiente no contexto internacional?

Não poderemos depreender que os Açores enquanto ilhas sustentáveis não passará de mais um mito (entre muitos outros que poderia continuar a enumerar) difundido mas não praticado?

Deseja que queimem o seu futuro? Não deixe para amanhã, diga hoje “Não à Incineração nos Açores” em www.amigosdosacores.pt/incineracao-nao.

Artigo de opinião de Diogo Caetano